Recentemente
(09/02/2012) o plenário do STF julgou procedente a ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pela procuradoria-geral da república, entre
outros pontos, da possibilidade de o Ministério Público dar início à ação
penal sem necessidade de representação da vítima. O artigo 16 da lei dispõe que
as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas,
para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a
proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que
não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei
Maria da Penha.
Fragmentos dos votos (fonte STF):
Ministra Rosa Weber
Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da
mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a
própria dignidade da pessoa humana. “Tal condicionamento implicaria privar a
vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse. Segundo ela, é
necessário fixar que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar
contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei dos
Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Dessa forma, ela entendeu que o crime de
lesão corporal leve, quando praticado com violência doméstica e familiar contra
a mulher, processa-se mediante ação penal pública incondicionada.
Ministro Luiz Fux
Ao acompanhar o voto do relator quanto à possibilidade de a ação penal com base
na Lei Maria da Penha ter início mesmo sem representação da vítima, o ministro
Luiz Fux afirmou que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa
contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência
que sofreu. “Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos
pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da
representação, no meu modo de ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse
direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê
de revelar subjacentemente uma violência simbólica e uma afronta a essa
cláusula pétrea.”
Ministro Dias Toffoli
Ao acompanhar o posicionamento do relator, o ministro Dias Toffoli salientou
que o voto do ministro Marco Aurélio está ligado à realidade. O ministro
afirmou que o Estado é “partícipe” da promoção da dignidade da pessoa humana,
independentemente de sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição
Federal. Assim, fundamentando seu voto no artigo 226, parágrafo 8º, no qual se
preceitua que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações”, o ministro Dias Toffoli acompanhou o relator.
Ministra Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia destacou a mudança de mentalidade
pela qual passa a sociedade no que se refere aos direitos das mulheres. Citando
ditados anacrônicos – como, “em briga de marido e mulher, não se mete a
colher” e “o que se passa na cama é segredo de quem ama” –, ela afirmou que é
dever do Estado adentrar ao recinto das “quatro paredes” quando na relação
conjugal que se desenrola ali houver violência.
Para ela, discussões como a de hoje no Plenário do STF são importantíssimas
nesse processo. “A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à
Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na
possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado
de coibir qualquer violência doméstica. E isso que hoje se fala, com certo
eufemismo e com certo cuidado, de que nós somos mais vulneráveis, não é bem
assim. Na verdade, as mulheres não são vulneráveis, mas sim maltratadas, são
mulheres sofridas”, asseverou.
Ministro Ricardo Lewandowski
Ao acompanhar o relator, o ministro Ricardo Lewandowski chamou atenção para
aspectos em torno do fenômeno conhecido como “vício da vontade” e salientou a
importância de se permitir a abertura da ação penal independentemente de a
vítima prestar queixa. “Penso que estamos diante de um fenômeno psicológico e
jurídico, que os juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e
estudado desde os antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado
estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido
em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre
manifestação da vontade”, finalizou.
Ministro Gilmar Mendes
Mesmo afirmando ter dificuldade em saber se a melhor forma de proteger a mulher
é a ação penal pública condicionada à representação da agredida ou a ação
incondicionada, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator. Segundo ele, em
muitos casos a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e
desagregação familiar. “Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que,
eventualmente, declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante
inclusive de fatos, vou acompanhar o relator”, disse.
Ministro Joaquim Barbosa
O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal
trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de
vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos,
edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando
em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção. “É o
que ocorre aqui”, concluiu.
Ministro Ayres Britto
Para o ministro Ayres Britto, em um contexto patriarcal e
machista, a mulher agredida tende a condescender com o agressor. “A proposta do
relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida
como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a
Constituição”, concluiu.
Ministro Celso de Mello
O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, também acompanhou o relator.
“Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o
ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos
atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da
Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não
apenas no plano processual, mas também no plano material”, disse.
Para o ministro Celso de Mello, a Lei Maria da Penha é tão
importante que, como foi salientado durante o julgamento, é fundamental que se
dê atenção ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê a
prevenção da violência doméstica e familiar pelo Estado.
Ministro
Cezar Peluso
Único a divergir do relator, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso,
advertiu para os riscos que a decisão de hoje pode causar na sociedade
brasileira porque não é apenas a doutrina jurídica que se encontra dividida
quanto ao alcance da Lei Maria da Penha. Citando estudos de várias associações
da sociedade civil e também do IPEA, o presidente do STF apontou as conclusões
acerca de uma eventual conveniência de se permitir que os crimes cometidos no
âmbito da lei sejam processados e julgados pelos Juizados Especiais, em razão
da maior celeridade de suas decisões. “Sabemos que a celeridade é um dos
ingredientes importantes no combate à violência, isto é, quanto mais rápida for
a decisão da causa, maior será sua eficácia. Além disso, a oralidade ínsita aos
Juizados Especiais é outro fator importantíssimo porque essa violência se
manifesta no seio da entidade familiar. Fui juiz de Família por oito anos e sei
muito bem como essas pessoas interagem na presença do magistrado. Vemos que há
vários aspectos que deveriam ser considerados para a solução de um problema de
grande complexidade como este”, salientou.
Quanto
ao entendimento majoritário que permitirá o início da ação penal mesmo que a
vítima não tenha a iniciativa de denunciar o companheiro-agressor, o ministro
Peluso advertiu que, se o caráter condicionado da ação foi inserido na lei,
houve motivos justificados para isso. “Não posso supor que o legislador
tenha sido leviano ao estabelecer o caráter condicionado da ação penal. Ele
deve ter levado em consideração, com certeza, elementos trazidos por pessoas da
área da sociologia e das relações humanas, inclusive por meio de audiências
públicas, que apresentaram dados capazes de justificar essa concepção da ação
penal”, disse.
Ao
analisar os efeitos práticos da decisão, o presidente do STF afirmou que é
preciso respeitar o direito das mulheres que optam por não apresentar queixas
contra seus companheiros quando sofrem algum tipo de agressão. “Isso significa
o exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana, que é a
responsabilidade do ser humano pelo seu destino. O cidadão é o sujeito de sua
história, é dele a capacidade de se decidir por um caminho, e isso me parece
que transpareceu nessa norma agora contestada”, salientou. O ministro citou
como exemplo a circunstância em que a ação penal tenha se iniciado e o casal,
depois de feitas as pazes, seja surpreendido por uma condenação penal.
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Medieval
(fonte: Espaço Vital):
Durante
45 dias, uma moradora de Brusque (SC) foi obrigada a viver com uma engenhoca de
arame na parte externa da vagina, colocada por seu companheiro, Antônio Carlos
Lopes Pereira, 37 de idade, para funcionar como uma espécie de cinto de
castidade.
Ela
só se livrou do instrumento e da humilhação na semana passada, quando procurou
as autoridades e contou o que estava passando. A prisão preventiva do homem foi
decretada. Ele acabou preso na sexta-feira (10) à noite, pela Polícia Militar.
Imediatamente,
os PMs foram à casa de Antonio. Lá, encontraram um revólver calibre 38, com
balas no tambor. A arma não tinha registro. Por isso, Antônio foi também
autuado em flagrante.
Conto
de amor virou conto de terror
Segundo
o jornal Diário do Litoral, de Itajaí (SC), "o que era pra ser uma
história de amor entre Antônio e a mulher com quem foi viver junto em abril do
ano passado virou um conto de terror".
Refere
a matéria jornalística que "violento e descontrolado, o monstro mais
parecia estar vivendo na Idade Média e chegou a fabricar com arame um
instrumento que colocava à força na vagina da mulher, de 31 anos, e a obrigava
a usar diariamente".
A
mulher usou o cinto de castidade entre dezembro de ano passado e a semana
passada, quando, não suportando mais o terror em que vivia, fugiu de casa e
procurou ajuda no Foro de Brusque. Ali exibiu o vexame a que estava sendo
submetida.
Pela
história que ela contou no foro e na polícia, desde o começo da relação
Antônio se mostrou um homem violento. Os dois se separaram e se reconciliaram
várias vezes, até que, em 16 de dezembro do ano passado, ela passou a ser
obrigada a usar o arame, que era fechado por um cadeado.
Na
ocasião, depois de mais uma briga, Antônio a teria levado a um matagal perto de
casa e, de arma em punho, ameaçado estourar sua cabeça. Depois, colocou a peça
na sua vagina, dizendo que somente ele poderia fazer sexo com ela.
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É
importante ressalvar que o Direito Penal somente serve como um dos instrumentos
de controle social, sendo que, a própria Lei Maria da Penha, ainda não encontra
guarida no sistema atual, seja pelas condições sociais (falta de: educação,
saúde, lazer, conscientização, políticas públicas, etc.) seja pelos diversos
mecanismos que a própria lei entende serem necessários e os quais não existem
disponíveis e, quando existem, não estão abrangendo em todo o contexto nacional
da lei (são exceções).
Por
exemplo: O artigo 8 da lei, anunciando uma necessária política pública para
coibir a violência doméstica contra a mulher; a inviabilidade de concreta
assistência à mulher prevista no artigo 9 (ao menos em considerável número de
cidades); As medidas protetivas, tanto em face do agressor quanto da ofendida;
entre outros tantos pontos.