sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

PF deleta dados de investigação e STJ anula provas da ação penal




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A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou provas produzidas em interceptações telefônicas e telemáticas (e-mails) realizadas na operação Negócio da China.

Seguindo o voto da relatora, ministra Assusete Magalhães, os ministros consideraram que a conservação das provas é obrigação do estado e sua perda impede o exercício da ampla defesa. 

A operação foi deflagrada em 2008, para investigar suspeitas de contrabando, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro pelo Grupo Casa & Vídeo. Foram denunciadas 14 pessoas, entre elas, os pacientes do habeas corpus analisado pela Sexta Turma. 

Os ministros concederam o habeas corpus para anular as provas produzidas nas interceptações telemáticas e telefônicas. Determinaram ao juízo de primeiro grau que as retirasse integralmente do processo e que examinasse a existência de prova ilícita por derivação. Tudo deverá ser excluído da ação penal em trâmite. 

A defesa de dois dos envolvidos alegou nulidade das provas produzidas a partir das interceptações telemáticas, ante a inviolabilidade do sigilo das comunicações telegráficas e de dados, prevista no artigo 5º., XII, da Constituição Federal. 

Sustentou que não teria sido demonstrada a indispensabilidade da medida de quebra de sigilo telefônico e telemático e que o único elemento de prova anterior a essa providência eram notícias jornalísticas e documentos societários das empresas supostamente envolvidas. 

Mas o principal argumento foi a falta de acesso dos investigados às provas, devido ao desaparecimento do material obtido por meio da interceptação telemática e de parte dos áudios telefônicos interceptados. Segundo a defesa, os dados foram apagados pela PF, sem que os advogados, o Ministério Público ou o Judiciário os conhecessem ou exercessem qualquer controle ou fiscalização sobre eles. 

A defesa apontou a inobservância do procedimento de incidente de inutilização de provas previsto no artigo 9º., parágrafo único, da Lei 9.296/96. Segundo ela, a eliminação dos dados só foi descoberta após insistentes pedidos à Justiça de acesso integral ao material interceptado. 

A ministra Assusete Magalhães destacou que a intimidade e a privacidade das pessoas não são direitos absolutos.

Havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com pena de reclusão e a impossibilidade de produção de provas por outros meios, a jurisprudência admite a interceptação de comunicação não só por telefone, como também a telemática, que se refere à transmissão de dados. 

“Não existindo pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, o STJ tem admitido a interceptação do fluxo das comunicações telemáticas”, frisou a ministra. 

O inquérito policial foi instaurado em maio de 2006, por requisição do Ministério Público, a partir de reportagem publicada pela revista Exame, intitulada “O Misterioso Sucesso da Casa e Vídeo”.

Antes da decretação da quebra do sigilo telefônico, foram requisitados documentos na Junta Comercial do Rio de Janeiro e em cartório de registro de imóveis. Seguiu-se um minucioso relatório de inteligência policial. Somente em 2008 foi solicitada e deferida a quebra de sigilo, em decisão devidamente fundamentada, segundo analisou a relatora. 

Para a ministra, está demonstrado no processo que a prova cabal do envolvimento dos investigados na suposta trama criminosa não poderia ser obtida por outros meios que não a interceptação de comunicações. 

Apesar de considerar legal a quebra dos sigilos telefônico e telemático, a ministra Assusete Magalhães considerou ilegal a destruição do material obtido a partir das interceptações. 

Os impetrantes do habeas corpus contestaram a ausência, no DVD entregue à defesa, da integralidade do áudio das escutas e do conteúdo dos e-mails interceptados, mencionados nos relatórios e na representação policial. 

O próprio STJ havia assegurado a alguns dos réus o acesso integral aos autos do inquérito. No entanto, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi apagada, ainda na Polícia Federal, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem. 

A PF informou à Justiça que, ao contrário do que ocorre com a interceptação telefônica realizada por meio do programa Guardião, ela não dispõe de equipamentos ou programas voltados à interceptação de e-mails. Por tal motivo, essas informações seriam disponibilizadas e armazenadas diretamente pelos provedores de internet – no caso, a Embratel. 

A Embratel, por sua vez, informou que, para cumprir a ordem judicial de interceptação de e-mails, encaminhou à PF diretamente as contas-espelho criadas para a operação, de forma que fossem visualizados pelos policiais. Informou também que não foram mantidas cópias das mensagens, uma vez que a determinação judicial era apenas para desviar qualquer tráfego de dados telemáticos para um e-mail determinado pela autoridade policial. 

Assim, esclareceu a PF, o conteúdo monitorado na interceptação telemática obtida através da Embratel “foi irremediavelmente perdido, pois o computador utilizado durante a investigação precisou ser formatado”. 

“Como se viu, o material obtido por meio da interceptação telemática, vinculado ao provedor Embratel, foi extraviado, ainda na Polícia Federal, impossibilitando, tanto à defesa quanto à acusação, o acesso ao seu conteúdo”, afirmou a ministra Assusete Magalhães. 

Citando o princípio do devido processo legal, a ministra disse que as provas produzidas em interceptações não podem servir apenas aos interesses do órgão acusador e que é imprescindível a preservação de sua integralidade, sem a qual fica inviabilizado o exercício da ampla defesa. 

Quanto às interceptações telefônicas, a relatora destacou que a jurisprudência do STJ considera desnecessária a transcrição integral do material interceptado. Contudo, é imprescindível que, pelo menos em meio digital, a prova seja fornecida à parte em sua integralidade, com todos os áudios do período, sem possibilidade de qualquer seleção de trechos pelos policiais executores da medida.

Fonte: STJ.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Lançamento de livro sobre crimes societários


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CRIMES SOCIETÁRIOS: a particularização de condutas.


Partindo de um ponto nevrálgico que vai servindo de base para toda a caminhada e proposta de reflexões, defende-se a particularização de conduta de sócios em crimes societários. Sob este enfoque, o autor debate temas de direito penal e processo penal, quando o contexto é crime de índole empresarial-societária.

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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Artigo publicado: Estrutura constitucional: justo processo



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Artigo publicado em periódico: Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Juristas alertam para riscos de proposta que tipifica crime de desordem



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A proposta para criação de uma lei que tipifica como crime a prática e a incitação de desordem foi classificada como ameaça ao direito de manifestação por professores de direito ouvidos pela Agência Brasil. 

A minuta com a proposta foi entregue no último dia 12 pelo secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, ao senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e coincide com o momento em que a Casa também discute a chamada Lei Antiterr­orismo, que teve a apreciação adiada para a próxima semana. 

Segundo o professor de direito constitucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leonardo Vizeu, o país não precisa criar uma lei reunindo as demais, mas aplicar as existentes. “Já temos o crime de dano, de formação de quadrilha, de lesão corporal e apologia ao crime. Não precisamos de uma lei de forma casuística”, disse. Ele avalia que a proposta se aproveita da comoção em torno da morte do cinegrafista Santiago Andrade, durante protesto no Rio. 

O professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV), Thiago Bottino, também é categórico ao afirmar que a proposta limita o direito de as pessoas se reunirem para se manifestar e se expressar, em diversas circunstância, até mesmo no carnaval, devido aos blocos de sátira e ao uso de máscaras. Além disso, para ele, o projeto abre brechas legais para a atuação arbitrária das polícias. “A [proposta de] lei não ajuda a polícia a separar o joio do trigo”, disse. Para Bottino, a maior dificuldade das autoridades para coibir a violências nas manifestações é identificar os criminosos e responsabilizá-los. “O problema é quando alguém dispara alguma coisa, arremessa uma pedra. Há episódios de violência policial e de manifestantes. A grande questão é construir alternativas inteligentes para identificar e punir”, defendeu. 

Por não esclarecer exatamente o que é desordem em local público e por estipular penas maiores que para crimes contra a vida como homicídio culposo, o professor da FGV também vê a proposta do governo do Rio como inconstitucional “Vão pegar o cara que está no alto-falando, chamando as pessoas para rua, e dizer que é desordem? Isso é crime de três a oito anos [de prisão]? São penas desproporcionais em relação à de quem mata”, afirmou. 

A professora de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), Janaína Paschoal, também acredita que é “temerário” aprovar o projeto da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. “Não vejo necessidade. Temos leis boas e suficientes”. Ela concorda com a necessidade de se identificar suspeitos, mas vê dificuldade de as polícias aplicarem a lei por causa da “demonização” das manifestações pela sociedade. “É verdade que tem que ter polícia, mas polícia treinada, para não sair por aí atirando nas pessoas. Agora, querer baixar lei que favorece o medo e [permite] instaurar uma prisão sem identificação é dar arma para governo totalitarista, não vejo necessidade”, declarou Janaína. 

A proposta do governo do Rio, apresentada ao senador Vital Rêgo, foi elaborada no bojo dos protestos que começaram em junho de 2013 e já havia sido entregue ao Ministério da Justiça. Segundo o secretário Beltrame, o projeto é de apoio às manifestações, "porque pede que sejam organizadas” e atende a um “clamor por transparência” na participação dos indivíduos. Senadores também vêm defendendo a aprovação do Projeto da Lei Antiterrorismo (PLS 499/13)como resposta para a morte do cinegrafista Santiago Andrade. Para o senador Jorge Viana (PT-AC), por exemplo, os dois suspeitos de terem acendido o artefato explosivo que provocou a morte do jornalista poderiam ser enquadrados como terroristas. 

Fonte: Agência Brasil.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

CCJ rejeita redução da maioridade penal para 16 anos



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A Comissão de Constituição e Justiça do Senado rejeitou nesta quarta-feira (19/2) proposta de mudanças nas regras da maioridade penal, que reduziria a faixa etária de 18 para 16 anos em crimes hediondos e casos específicos. Por 11 votos a 8, foi derrubada a PEC 33/2012, mesmo com voto favorável do relator, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).

O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), autor da PEC, disse que apresentará recurso para levar o assunto ao plenário — o Regimento Interno do Senado permite que uma matéria não aprovada pela CCJ avance se houver requerimento assinado por nove senadores. Há outras propostas de emenda sobre o tema em tramitação na Casa.

O texto de Nunes abria a possibilidade de a Justiça imputar penas mais severas a adolescentes envolvidos em crimes como homicídio qualificado, extorsão mediante sequestro e estupro. Para isso, seria preciso que um laudo médico comprovasse a compreensão do adolescente sobre a gravidade do delito, além de um pedido apresentado por promotor da infância e da juventude e julgado por juiz de vara especializada na área. O menor de 18 anos ficaria ainda em estabelecimento prisional específico, separado de presos adultos, segundo a proposta.

O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), considerou inviável enfrentar a criminalidade juvenil com a redução da maioridade penal. Para o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), reduzir a maioridade penal seria inconstitucional porque atentaria contra direitos e garantias individuais, consolidados como cláusula pétrea. Já o senador Pedro Taques (PDT-MT) disse que a idade mínima de 18 anos não é um dispositivo constitucional proibido de ser mudado. 

Fonte: Conjur.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Artigo Jus Navigandi - Estrutura constitucional: justo processo




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Estrutura constitucional: Justo processo

"Para que exista um processo justo, é necessário que a legislação infraconstitucional, a sua interpretação e aplicação, parta de seu interlocutor de um ponto necessário em comum, qual seja, o respeito à Constituição Federal."

Artigo publicado na Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862


Jus Navigandi


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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O crime de contrabando ou descaminho por transporte aéreo



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Considerando que o crime de contrabando ou descaminho tem fundo político criminal voltado à preservação e arrecadação para o erário público, insurge questionar quando caberá à causa especial de aumento de pena pelo transporte aéreo.


Palavras-chave: Contrabando. Descaminho. Adequação do Tipo. Majorante. Transporte Aéreo.


O contrabando ou descaminho[1] é uma incriminação antiga, conforme o jurista Heleno Fragoso salientava, tendo surgido com “(...) o aparecimento das alfândegas e o estabelecimento de privilégios e regalias, em relação a certos gêneros de comércio."[2] Em outra perspectiva o doutrinador Rogério Greco atenta que na realidade brasileira, principalmente em centros urbanos maiores, aglomera-se o comércio ambulante, em geral, praticado na ilegalidade, “(...) no que diz respeito à importação ou exportação de mercadorias proibidas, ou quando, embora permitidas, a lesão importa na ilusão, no todo ou em parte, do pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria."[3] Logo, deve ser reconhecido como um crime remoto, previsto na legislação pátria já no Código Criminal do Império e que sequer o Direito Romano ignorou, impondo-lhe penas severas.[4] Isto, pois, o bem jurídico protegido, além da Administração Pública, é o erário público, sua salvaguarda: "Essencialmente, porém, este crime encontra sua objetividade jurídica na economia pública, o que justifica a classificação que lhe foi dada pelo legislador, considerando-se o amplo conceito de administração pública."[5]

Dessa maneira, o legislador trata o contrabando como um crime que consiste em importar ou exportar mercadoria proibida, sendo que a proibição poderá ser absoluta ou relativa,[6] ou seja, tendo-se em vista a natureza da mercadoria, questiona-se sobre a possibilidade de atender condições que a regularize (cessando a proibição) ou não no território nacional. Sendo o descaminho o ato de iludir (burlar), no todo ou somente em parte, o real pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria permitida.[7]

O crime de contrabando não é aplicado de forma cumulativa a outras infrações penais que a própria lei considera como um crime autônomo a ação de importar ou exportar certas coisas (ex.: artigos 234 e 289 §1 do Código Penal), haja vista casos em que sobre o fato não haverá o crime de contrabando em razão da existência de outro delito, devendo aquele sempre ser excluído.[8] Isto, pois, deve-se analisar se os dispositivos legais não se repelem, ou se o seu caráter subsidiário em relação à outra norma principal não é por esta absorvida; ainda, poder-se-á estar frente a uma lei especial com preferência de aplicação. Salienta-se, entretanto, que a aplicação de todas as normas concorrentes chocar-se-ia com a necessidade prática de avaliação do fato, em pura colisão com as mais elementares exigências de justiça,[9] razão pela qual o crime de contrabando ou descaminho nem sempre será aplicado em concurso de delitos.

Importa ainda destacar que a simples dívida ao erário público, por si só, não constitui o crime de descaminho. Configura a conduta ilícita aquele agente que ilude, ou seja, sabedor de uma determinada condição, cria propositalmente um artifício, seja por sua comissão ou por uma omissão, capaz de cunhar uma falsa realidade pela qual o Estado, naquela situação, estaria crendo que o agente não seria devedor de quaisquer valores. Sendo assim, o descaminho configura-se em uma ação ou omissão com a finalidade de mascarar direitos e impostos que devidos deixam de ser recolhidos aos cofres públicos, em seu todo ou em parte, pelo artifício doloso do agente. Neste tocante, prende-se atenção ao necessário dolo do agente, por não existir a este crime a modalidade culposa:
"O agente deverá conhecer todos os elementos que integram a figura típica em estudo, caso contrário, poderá ser arguido o erro de tipo. Assim, imagine-se a hipótese daquele que traz consigo, do exterior, mercadoria cuja importação é proibida, mas que acreditava ser permitida, de acordo com a quota estipulada pelo Governo para efeitos de isenção de impostos."[10]
Presentes estas ressalvas, adentramos na temática imposta pelo artigo 334, em seu parágrafo terceiro do Código Penal, que tem a seguinte redação: “A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.” Logo, se trata de causa especial de aumento de pena, determinada pela Lei 4.729/65, a qual foi editada com a finalidade de definir o crime de sonegação fiscal e dar outras providências. Justamente por ter esta finalidade de controlar e penalizar o sonegador, Fragoso trouxe a discussão de que diversos autores se insurgem contra a incriminação do contrabando e, notadamente, do descaminho, pelo caráter substancialmente político e contingente deste crime, no mesmo passo que afirmava: “(...) este crime ofende interesses públicos de grande relevância, não havendo a menor possibilidade de que desapareça das legislações modernas, que tendem visivelmente a incriminar, de forma crescente, a fraude fiscal."[11]

Justamente por ser um crime com fundo político criminal voltado à preservação e arrecadação para o erário público, insurge questionar quando caberá à causa especial de aumento de pena pelo transporte aéreo. Explica-se, a doutrina e a jurisprudência afirmam haver ilegalidade da aplicação da causa de aumento prevista no art. 334, § 3º., do Código Penal quando o transporte aéreo for comercial ou regular. Sustentam, em suma, que a sua incidência é possível tão somente quando o descaminho ou contrabando for praticado por meio de transporte aéreo clandestino, pois os voos de companhias aéreas estabelecidas, com trânsito em zonas alfandegárias, sofrem (ou podem sofrer) fiscalização rígida,[12] quer dizer, mesmo que efetivados por via aérea, equivalem aos mesmos procedimentos e vigilância impostos por outras vias, o que afastaria a majorante legal. Neste sentido,
“(...) a justificativa para esta majorante é a maior dificuldade de controle do transporte aéreo de mercadorias feitas por essa via. Evidentemente que o legislador quando editou essa majorante, por certo, a esteva destinando à importação ou exportação clandestina, sem controle alfandegário. Em situações como essas, efetivamente o combate ao contrabando ou descaminho fica enormemente dificultado, sendo razoável que se procure cominar-lhe sanção mais rigorosa."[13]
Outros autores adotam posição de que o simples transporte aéreo, independente de qual sorte, é o suficiente para aplicar a pena em dobro, porque "(...) inegável a maior probabilidade de êxito quando o agente emprega transporte aéreo de qualquer natureza."[14] Diversos são os julgados que tratam deste tema, sendo que merece apreciação o Habeas Corpus 148.375/AM, que teve como relator o Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 12/04/2012 junto ao Superior Tribunal de Justiça, pelo preciosismo dos votos. Constou na ementa deste julgado:
"HABEAS CORPUS. PENAL. CONTRABANDO E DESCAMINHO. QUALIFICADORA. TRANSPORTE AÉREO. ART. 334, § 3º, DO CP. VOO REGULAR. APLICAÇÃO. DESCABIMENTO. PENA. REDUÇÃO. PRESCRIÇÃO. CONSUMAÇÃO.
1. É descabida a aplicação da qualificadora do art. 334, § 3º, do Código Penal quando a prática delitiva é realizada por meio de transporte aéreo regular, sendo justificada a incidência da majorante tão somente quando se tratar de voo clandestino. [...]"
Em seu voto, o Ministro relator, manifesta que a ratio essendi existente no contrabando ou descaminho praticado por transporte aéreo está justamente no fato de dificultar a atividade fiscalizatória. Continua em seu voto esclarecendo que o empeço ao órgão fiscalizador somente existe em voos clandestinos. Em suas palavras:
"No entanto, a dificuldade de fiscalização somente ocorre quando se trata de voo clandestino, pois apenas nele é criado empeço à atuação das autoridades alfandegárias. No caso de transporte aéreo efetivado por meio de voos regulares, não há a criação de nenhum obstáculo à atuação fiscal, tanto que, no caso, a mercadoria foi apreendida no aeroporto da Capital da República, durante uma fiscalização de rotina."
Em seu voto, o Ministro Relator ainda colacionou o seguinte ensinamento do Ministro Francisco de Assis Toledo:
"Neste caso a aeronave não está posta a serviço do crime, que só se desenvolve oculto sob o falso rótulo de bagagem ou de encomenda, tal como aconteceria se, no lugar do avião, imaginássemos um navio, um ônibus, ou um trem internacional. O avião nada acrescenta ao fato, já que por um processo mental podemos substituí-lo por outro meio de transporte regular, sem que nada se altere. O mesmo já não acontecerá com o voo clandestino, orientado para regiões ermas, com o intuito de evitar a fiscalização por quem de direito. Ora, a qualificadora do transporte aéreo só encontrará justificativa na grande dificuldade de se coibirem o contrabando e descaminho realizados em voos clandestinos, em geral, com aparelhos de pequeno porte, de fácil manejo, que utilizam pistas disfarçadas, situadas fora do alcance da fiscalização. Parece-nos, pois, lícito – e assim temos feito – interpretar restritivamente o preceito em exame, tomando-o como aplicável exclusivamente ao contrabando e descaminho de direito penal tributário, realizados através de voos que se furtem ao controle alfandegário."[15]
No entanto, a posição do referido julgado não é unânime nas Cortes brasileiras, tanto assim, que o próprio caso ora em análise é motivado por uma decisão de primeiro grau, confirmada por um Tribunal (até aqui ambos aplicando a majorante em voo regular) e que, somente no Superior Tribunal de Justiça, ascendeu por sua modificação, afastando a causa especial de aumento de pena. No entanto, sequer o referido julgado é unânime:
"Prosseguindo no julgamento após o voto-vista divergente do Sr. Ministro Og Fernandes denegando a ordem de habeas corpus, cerificou-se o empate na votação. Prevalecendo a decisão mais favorável ao paciente, a Turma concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, vencidos a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e o Sr. Ministro Og Fernandes."
Necessário caminhar pelos votos divergentes do referido jugado. A começar pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a qual começa o seu voto reconhecendo que entre os doutrinadores a posição adotada é que a majorante somente se aplica para voos clandestinos. No entanto, a Ministra ressalva este entendimento, adotando posição contrária, por aquilo que ela denomina um viés sistemático e teleologicamente orientado, em suas palavras:
"Por meu turno, propugno uma exegese bifronte da majorante, decorrente até mesmo do modo amplo como cunhada a sua redação. Afora os casos de voos clandestinos, também seria a circunstância aplicável para os voos regulares. Nesses, ademais do transporte furtivo de produtos, poder-se-ia colher, a depender do caso concreto, uma excessiva ousadia do agente que, a despeito dos formais métodos de controle alfandegário, mesmo assim, volta-se, de forma audaz, contra o bem jurídico. Trata-se de aspecto subjetivo, que, na minha ótica, pode ser extraído da forma abrangente como estabelecida a causa de aumento de pena."
A Ministra anotou, ainda, que são poucas, mas, ao seu sentir, significativas as vozes daqueles que se insurgem contra a compreensão de que a majorante somente se aplicaria a voos clandestinos. Conclui:
"Creio que a circunstância ora em debate pode indicar uma mais intensa culpabilidade, quando perpetrada em voos regulares, dada a audácia; ou, uma especial modalidade de afetação do bem jurídico, quando a conduta se dá por meio de voos clandestinos, em razão da maneira insidiosa do agir."
O segundo voto divergente, que igualmente não afastaria a majorante nos casos de voos regulares, foi firmada pelo Ministro Og Fernandes, para o qual a interpretação restritiva somente tem lugar quando configurada aparente incongruência entre o texto da lei e a sua finalidade, nas hipóteses em que a literalidade da norma não condiz com o seu verdadeiro conteúdo. Consta em seu voto:
"Não me parece que a intuito da norma seja a de abranger somente os casos de vôo clandestino. Se assim fosse, necessária seria a inserção, pelo legislador ordinário, de elemento normativo novo no tipo, corrigindo o seu texto, de molde a excluir as demais hipóteses de incidência penal.
[...]
Assim, penso que a norma em questão não tem lacunas e deve ser aplicada nos seus exatos termos, em observância ao princípio da reserva legal e da anterioridade (art. 1º, CP; art. 5º., XXXIX, CF)."
Neste sentido, na esteira da Ministra Maria Thereza, o Ministro divergiu do voto do Relator. Uma vez que terminou em empate o julgado, adotou-se o princípio que favorece o réu, ou seja, neste equilíbrio de discursos, ainda o entendimento mais favorável ao réu é pela não incidência da majorante, salvo os voos clandestinos. Evidente, e necessário chamar a atenção, que apesar de existir uma doutrina considerável dogmatizando pela aplicação da majorante somente nos casos de voos clandestinos, por seu turno, os intérpretes/julgadores ainda não firmam uma posição pacífica.

Um último ponto deve ser considerado. Por certo, quando da feitura da lei em 1965, a ideia do legislador sobre o uso do transporte aéreo não tinha a dimensão e proporção dos dias atuais. Muito além, importante considerar que na referida época o transporte aéreo carecia de maiores burocracias fiscalizatórias que, atualmente, permitem ao órgão fiscalizador despir passageiros e bagagens (literal e digitalmente). É míster compreender que a utilização de transporte aéreo alcança uma dimensão tamanha nesta modernidade globalizada, que não se trata mais de um privilégio a poucos, estando ao alcance de todos. Em linha de comparação, é muito mais dificultoso a fiscalização do contrabando e descaminho levado a efeito por meios terrestres, marinhos e fluviais, do que aquele desprendido em voos regulares e domésticos. Logo, por adequação do tipo penal a realidade que o mesmo deve ser aplicada, necessário considerar a posição retratada pela doutrina e vencedora no julgado analisado acima, qual seja, somente se aplica a causa especial de aumento de pena nos casos de voos irregulares ou clandestinos.


REFERÊNCIAS

1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 6. ed., v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v.

2 Enciclopédia Saraiva de Direito. v. 24. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 8-9. Retirado do julgado Habeas Corpus 148.375/AM do STJ.

3 FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

4 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 8. ed., v. IV. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 4v.

5 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 1985. p.267. 4v.

6 NUCCI, Guilherme de S. Código Penal Comentado. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.1032.


NOTAS

[1] Código Penal Brasileiro: Art. 334 - Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: Pena - reclusão, de um a quatro anos.

[2] FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 481.

[3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 14. ed., v. IV. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 4v.p. 532.

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 6. ed., v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v. p.254.

[5] FRAGOSO, H. C., op. cit., p. 482.

[6] Id., p. 485.

[7] BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 255.

[8] FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 485.

[9] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 1985. p.267. 4v.

[10] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 14. ed., v. IV. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 4v.p. 535.

[11] FRAGOSO, H. C. op. cit., p. 483.

[12] NUCCI, Guilherme de S. Código Penal Comentado. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.1032.

[13] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. 6. ed., v. 5. São Paulo: Saraiva, 2012. 5 v. p. 270.

[14] FRAGOSO, H. C. Lições de Direito Penal: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 488.

[15] Enciclopédia Saraiva de Direito. v. 24. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 8-9. Retirado do julgado Habeas Corpus 148.375/AM do STJ.