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O comércio ilegal de vida selvagem e produtos madeireiros, avaliado em mais de US$ 200 bilhões ao ano, está financiando uma rede criminosa bem organizada, milícias e terroristas.
Trata-se de um crime ambiental de proporções comparáveis ao tráfico de drogas e de seres humanos e que também aumenta a pobreza, ameaça de extinção espécies-símbolo e exerce enorme pressão sobre os recursos naturais.

"Estamos colocando os holofotes sobre um lado muito sombrio da economia", disse Achim Steiner, diretor executivo do Pnuma, no lançamento do mais abrangente relatório feito sobre o tema, "The Environmental Crime Crisis".
Uma das denúncias do estudo é que a venda ilegal de carvão vegetal - que na África é usado nos fogões a lenha que a população usa em larga escala - garante entre US$ 38 milhões e US$ 56 milhões ao ano ao grupo islâmico Al Shabaab, que atua principalmente na Somália e é tido como uma célula da Al Qaeda.
O carvão vegetal é levado pelos portos somalis de Kismayo e Baraawe para Iêmen, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Kuait. Também financia milícias na República Democrática do Congo, afirma o relatório.
No total, milícias e grupos terroristas sediados na África ou em países vizinhos ganham entre US$ 111 milhões e US$ 289 milhões anualmente pelo envolvimento com o comércio ilegal do carvão vegetal. "A diferença nas estimativas é que estamos lidando com crime e, portanto, não temos números exatos", explica Christian Nellemann, coordenador do estudo.
Este mercado ilegal tende a triplicar nas próximas décadas com o crescimento da demanda. Produz, também, enorme efeito no desmatamento na África, nos recursos hídricos e na degradação de terras.
O comércio ilegal de carvão vegetal é só uma ponta de uma rede de crime organizado e multifacetado. "Está cada vez mais globalizado, sofisticado e cobre grande leque de atividades ilegais, da pesca predatória à mineração, do marfim dos elefantes aos chifres de rinoceronte, da captura de grandes macacos, tigres, antílopes, pássaros e insetos ao comércio ilegal de madeira, artigos madeireiros e papel", disse Nellemann, da Unidade de Resposta Rápida do Pnuma. "E envolve o planeta."
A capa do estudo mostra madeira apreendida na Amazônia e fiscais do Ibama. Há citações positivas sobre a redução do desmatamento na Amazônia com as ações de controle e combate, o monitoramento e projetos de valorização da floresta. Mas o relatório revela que a exploração ilegal de madeira tropical movimenta globalmente entre US$ 30 bilhões a US$ 100 bilhões anuais.
A caça e captura ilegal de tigres, elefantes, rinocerontes, gorilas, orangotangos, antílopes tem tristes proporções. Na África, morrem anualmente 20 mil a 25 mil elefantes, de uma população total de 420 mil a 650 mil animais. "As pessoas precisam saber que só compram uma peça de marfim porque um elefante foi morto", diz Steiner.
"Um dos vetores da matança de elefantes é a especulação do marfim", diz John Scalon, secretário-geral da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites). "São especuladores, gente que aguarda que o preço do marfim suba apostando na ameaça de extinção dos animais", disse. Esta é uma mensagem forte na China e em Hong Kong. "Mas o governo chinês já disse que não irá tolerar o comércio ilegal de marfim. Quem especular terá o retorno de seu investimento em tempo de cadeia."
A situação dos rinocerontes africanos é ainda mais dramática. Restam apenas 25 mil e, no ano passado, morreram mais de mil. Os caçadores matam o animal apenas para retirar seu chifre e vendê-lo em mercados asiáticos. "É uma matemática fácil de fazer. A continuar como está, em dez anos um dos ícones da África estará extinto", diz Steiner.
"O crime ambiental tem implicações além do impacto na conservação da natureza. É transnacional, afeta a vida das pessoas e agrava a pobreza. O volume de recursos que Tesouros nacionais estão perdendo com esta economia ilegal é significativo", prosseguiu. "Pessoas ligadas ao tráfico de drogas e de seres humanos usam as mesmas redes, os mesmos contatos e os mesmos meios de corrupção do tráfico ilegal de vida silvestre."
O relatório sugere caminhos para melhorar este quadro. Legislação mais robusta e afinada entre os países, investir nos sistemas de inteligência da Interpol, certificar madeira, destinar recursos para investir na proteção de espécies ameaçadas. "Não precisamos de drones. Precisamos de mais investigadores e mais promotores", disse Nellemann. "Este tema está sempre na agenda. Mas agora temos que preparar a resposta", afirmou David Higgins, do departamento ambiental da Interpol.
Fonte: Valor Econômico.