sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O crime nas relações de consumo



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Em tal mercado de consumo no qual se vive, os debates sobre consumidor e fornecedor ainda estão em uma zona cinza, inclusive pela atuação (ou falta de atuação) do Estado frente a tamanhas e escancaradas irregularidades que existem no mercado, a citar o exemplo dos cartéis e sites como “reclame aqui”. Ora, existe um contingente que não se sente tutelado e, sequer, respeitado.

Em que pese a existência de tipificação penal nas relações de consumo, pode ser observada uma coadunação do Estado no sentido de que este permite ocorrências daquela natureza, assim como coaduna com o tráfico de drogas e a corrupção na administração pública. Em poucas palavras, existe um mercado e uma agenda política que auferem vantagens a partir desta situação de incertezas. No entanto, em todos os casos, é o consumidor quem sai perdendo, sendo vítima, e sendo esquecido. Ainda, fornecedores saem perdendo, frente à deslealdade do mercado, e das imposições de fiscalização dos agentes estatais.

Contudo, ainda existem os bodes expiatórios, pequenos empresários que, sem o dolo ou controle real sobre o fato, são expostos como exemplos, em favorecimento a grandes redes e indústrias que se escondem por traz de uma grande capacidade técnica, jurídica, gerencial e administrativa, que não pode ser arcada pelo pequeno empreendedor, ou aqueles que agem na informalidade, por não possuírem condições de combater preço/custo com o mercado econômico. Por isso, acertadamente, Guimarães apresenta o conceito de Direito Penal do Consumo como aquela “proteção do ato de consumo como fato econômico primordial na sociedade pós-industrial (dimensão política de consumo)”. (Sérgio Guimarães, Tutela Penal do Consumo, 2004, p.42).

Independente dos alertas mencionados, que devem ser interpretados para fins penais com o objetivo de identificar a existência ou não do crime, subsiste a necessidade de repressão e organização pela esfera administrativa pública, para proteger a parte mais fraca desta relação, qual seja, o consumidor. Neste sentido, Prado diz que a lei de consumo possui um caráter altamente criminalizador, sendo que “uma grande quantidade de comportamentos (...), a rigor, não deveriam passar de meras infrações administrativas, em total dissonância com os princípios penais da intervenção mínima e da insignificância” (Regis Prado, Direito Penal Econômico, 2013, p. 74).

Em verdade, o que deve ser salientado é o necessário atuar do Estado nas relações de consumo, de forma proporcional aos fatos, mas, quando necessário, inclusive pela repressão penal. O que não pode continuar é um Estado de duas caras, “tímido e temeroso em relação à criminalidade transnacional, e duro e inflexível, na punição da criminalidade de massa” (Silva Franco, in Temas de direito penal econômico, 2001, p.260).

Em poucos dizeres, existe um mercado de consumo massivo e incentivado pelo próprio Estado que, em que pese a presença de leis e normas, paulatinamente vem sendo inflamado por insatisfação e reclames de diversos consumidores. Cabe a ressalva de que a sensação de insegurança atinge diversas áreas, a iniciar pela saúde (privada e pública), até os bens e serviços mais simplórios, assim entendidos os bens supérfluos. O que existe, porém, é a falta de um controle administrativo, desburocratizado e eficiente, voltado não só para aquele pequeno fornecedor (normalmente a ponta do sistema), como também aos grandes grupos econômicos que regem preço, custo e qualidade dos serviços e produtos.